Mulheres no rock e uma espera de 30 anos

Foram três décadas até eu finalmente ir a um show do L7 no Brasil. Em 2023, fui a Curitiba assistir à banda só de mulheres e que me mostrou que o rock feminino é muito mais do que apenas música

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10/28/20254 min read

show L7 em curitiba 2023
show L7 em curitiba 2023

O ano era 1992 e eu estava diante da maior dúvida da minha vida: ir ao show do Guns N’ Roses, em dezembro, ou ir ao show do L7, em janeiro. Claro, eu queria ir nos dois, mas não me foi dada essa opção. Como o Guns já era a minha “banda do coração”, escolhi o Guns. Não me arrependo, foi meu primeiro grande show. Mas demorou quase 30 anos para eu conseguir, enfim, presenciar um show do L7.

No começo de 1993, o grupo foi uma das principais atrações do festival Hollywood Rock. Eu assisti à apresentação das “roqueiras” pela TV (inclusive, para escrever este post, fui ler na minha agenda de 93 o que eu havia escrito naquele dia e estava lá: “gravei o show do L7!”).

Nesse ano o festival estava primoroso – no mesmo dia tocou Nirvana, e o lineup ainda tinha Alice in Chains e Red Hot Chili Peppers.

Eu queria ser ‘roqueira’

O L7, pra mim, era muito mais do que só a música. Eu havia acabado de descobrir todo o universo do rock graças à MTV, que estava chegando nas casas brasileiras com a popularização da TV a cabo. Só que o rock naquela época era feito basicamente por homens. Eu ouvia as músicas, assistia aos clipes, mas parava por aí. Até o dia em que eu assisti ao videoclipe de Pretend We’re Dead. E virou uma chave na minha cabeça.

Era uma banda só de mulheres: guitarras, baixo, bateria. E com exceção da baterista, as outras se revezavam nos vocais. Eram mulheres fazendo aquele rock meio sujo, aquele som grunge, igual aos homens! Pronto: eu e as minhas amigas já sabíamos o que queríamos ser quando a gente crescesse.

O disco Bricks Are Heavy não foi o primeiro do L7, mas foi por causa de Pretend We're Dead (single desse álbum) que a banda se popularizou para fora dos Estados Unidos. Ver e ouvir mulheres à frente de uma banda mudou muita coisa da minha visão sobre música. O rock feito por mulheres era também uma forma de protesto. Era sobre mulheres ocupando espaços diversos e sobre ter uma voz própria.

Elas levantavam bandeiras, falavam sobre relacionamentos, aborto e liberdade. Eu olhava a Jennifer Finch tocando baixo com aquele cabelo vermelho vivo e eu queria ser igual a ela (e foi por causa dela que eu pintei meu cabelo de vermelho pela primeira vez, com 13 anos).

O tão aguardado show do L7

Depois das apresentações no Hollywood Rock elas só haviam voltado ao Brasil em 2018, mas não tive oportunidade de ir. Porém, em 2023 anunciaram uma turnê por aqui: iam passar por algumas cidades, incluindo Curitiba. “Agora eu vou, não posso perder esse show, vai saber quando terei outra chance”. Desde a pós-pandemia eu tenho procurado ir a todos os shows possíveis. A gente nunca sabe quando vai ser a última oportunidade de ver aquele artista que nos tocou de alguma forma. Sim, querer e poder são coisas bem diferentes — e dessa vez eu queria e podia!

A apresentação na capital paranaense foi numa terça-feira, 24 de outubro de 2023. Planejei um bate-volta: peguei um ônibus na rodoviária de Florianópolis, cheguei a Curitiba no começo da tarde. O L7 estava no Brasil para uma turnê com Black Flag (uma banda americana de meados dos anos 70 meio punk, meio hardcore, e que está sempre mudando os integrantes).

Em Curitiba o show foi no Tork and Roll, considerado o maior bar de rock da América Latina. É realmente enorme para um bar. Infelizmente, estava muito vazio. Ao chegar no local e ver que não havia uma plateia grande, fui direto para a frente do palco.

Diferentemente da maioria dos shows, esse não tinha uma grade separando o público do palco. Eu fiquei literalmente encostada no palco. E quando o grupo entrou, foi como se aquela Rachel de 12, 13 anos estivesse ali no meu lugar, naquela plateia.

Uma banda que tocou pra milhares nos anos 90 estava ali tocando para um público que não tinha nem mil pessoas (talvez nem trezentas, mas eu não tenho muita noção de espaço nem de cálculo de pessoas por metro quadrado). E mesmo assim, foi um grande show, com bastante atitude e profissionalismo.

O setlist teve “os clássicos” que embalaram muitos momentos de raiva adolescente, como Monster, Everglade, Shitlist e Andres. O trio da frente — Jennifer Finch, Donita Sparks e Suzi Gardner — se revezava nos vocais enquanto Dee Plakas se escondia atrás da cabeleira e da bateria. A música Pretend We’re Dead foi, claro, o ponto alto da apresentação.

As primeiras fileiras da plateia eram formadas principalmente por mulheres de diferentes idades e que sabiam todas as letras. Tinha meninas bem jovens, adolescentes; mas também mulheres com seus 40 e poucos (como eu). Uma delas gritava que esperou 30 anos para ver aquele show. Eu fiz coro com ela: “Eu também!”.

Foi incrível ver o entrosamento das “garotas” da banda, que começou no final dos anos 80, teve algumas separações e troca de membros, mas desde 2014 voltou a tocar com a formação de 1988.

Quando o show terminou, eu, estasiada, sentei para tomar uma coca zero e assistir ao começo da apresentação do Black Flag. Mas eu não estava ali por eles. Fui embora realizada e ao mesmo tempo cansada de pular e cantar com aquelas mulheres que, há 30 anos, influenciam meu estilo e meu jeito de ser. E com aquela sensação de ter completado mais um check na minha lista de “shows para ir antes de morrer”.

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